
Que se amavam tanto
Ele achava que ela era ele. Ela achava que ele era ela. Cada um a seu tempo, sem ainda se conhecerem, pensaram o mesmo de seus felinos. Ambos mantiveram, por algum tempo, suas convicções intuitivas.
Mas um dia a verdade veio à tona, sem mais nem menos arrodeios. Dele partiu de uma amiga que, só de olhar o bichano, declarou:
- Que gato, menino? É uma gata!
E Reinaldo virou Diadorim. Talvez fosse melhor dizer revelou-se, qual se conta por aí.
Dela, três meses depois, já no compasso dele, a resposta chegou atravessada. Primeiro disseram pra ele, só então ele disse pra ela. Partiu de um veterinário, chamado para examinar o animal que havia sofrido uma queda:
- Doutor, ela vai ficar boa?
O médico examinou e disse:
- Ela? Ele vai ficar bom.
E foi assim que Coraline virou Morpheus.
Como era de costume, ele saía de casa logo cedo para seu passeio matinal. Às vezes demorava mais, às vezes menos, mas sempre voltava. Outro dia, porém, não voltou. Ela chamou, rezou, chorou, perguntou às vizinhas, mas ninguém sabia dele. Que foi feito do seu gato? Teria fugido com ciúme da gatinha visitante, vítima de atropelamento, de quem ela também resolveu cuidar? Poderia ter sido roubado, como suspeitam alguns, pois era um dos gatos mais bonitos do lugar? Ou teria sido morto, como no fundo ela acredita? Morpheus encantou-se, deve ter voltado para a Gruta do Sono, de onde saiu, ou foi levado para o País dos Gatos, onde deve ocupar o posto de lorde, que lhe era próprio.
Hoje foi a vez de Diadorim. A Moira lhe teceu a mortalha em rubro manto, depois de já ter sido visitada pela Dama Negra quando perdeu seus filhotes e precisou passar por uma esterectomia. Uma van lhe cortou o fio. Em vão ele tentou salvá-la. Nas mãos, o corpo molinho, os pêlos e o sangue...
Diadorim, agora, repousa no quintal de casa, ganhou um leito de areia e pedra, como convém a uma heroína do sertão, faz jus ao nome.
Ele a amava tanto... Ela também o amava. Gostava de sumir, mas qual Morpheus, também voltava. Ela o amava tanto... Ele também a amava...
Luciana Sousa
Fortaleza, 27 de dezembro de 2010
Para Lô, com sopesada dor...
Lu,
ResponderExcluirTu escreve tão bem que me deixou com os olhos cheios de água. Nós, que aprendemos a amar os animais, entendemos bem a dor de perder um "filho" ou "filha" gato em nossa vida.
Por outro lado, a perda nos torna mais sensíveis ainda e quando decidimos adotar o primeiro, adotamos todos que podemos salvar de uma vida às vezes mais ingrata.
Lindo texto, me identifiquei demais com vcs dois.
bj
Obrigada, Camila.
ResponderExcluirVinha reprimindo esse texto há tempos... Não conseguia falar de Morpheus, e só quando acconteceu com Diadorim, consegui. Com havia, e ainda há, de certo modo, a imprecisão. Não saber o que lhe aconteceu de fato me deixou amarrada, só roendo a dor. Com Diadorim e a certeza da morte, o texto chegou de chofre, sentem diante do computador e entre lágrimas escrevi. Fiz Lô chorar. Quase me arrependi, mas precisava partilhar com vocês, com quem também me identifico demais.
Um abraço.